“A arte é consolar aqueles que são quebrados pela vida.”
- Vincent Van Gogh
A arte muitas vezes nasce de rachaduras, das vivências profundas e emoções mais intensas. E é exatamente isso que a jovem artista Cecília Antunes de Freitas traz com sua exposição "As Facetas que Habitam em Mim" na Galeria SESC. Com sua arte Cecília revela suas próprias lutas e superações com a depressão e a ansiedade, transformando dor em expressão artística.
Nesta entrevista exclusiva, Cecília nos convida a mergulhar em suas inspirações, na força de sua criação e na importância de espaços culturais que valorizem os artistas locais. Ela compartilha suas obras favoritas, os desafios de um jovem artista e o desejo de tocar as pessoas por meio de sua arte.
Quem tiver oportunidade de prestigiar o seu trabalho, está exposto até o dia 04 de dezembro, na Galeria SESC de Gurupi -Tocantins. A exposição é gratuita e está aberta para todos os públicos.
Lis: Oi Cecília, você poderia se apresentar, falar um pouco sobre sua trajetória e inspiração.
Cecília: Olá, eu sou Cecília Antônio de Freitas, tenho 19 anos, vou fazer 20 agora em dezembro. Eu sou aqui de Gurupi - Tocantins, sou artista plástica. Sobre a minha trajetória, eu trago muito a questão dos meus sentimentos, da minha vivência como uma pessoa que enfrentou a depressão, a ansiedade. E os primeiros sintomas que eu tive disso foram aos 10 anos de idade. Então, eu tenho mais ou menos uns 9 anos de trajetória com a depressão. E eu queria trazer para a minha exposição um pouco desses sentimentos, dessas vivências que me machucaram, me marcaram bastante.
Lis: Como e quando você descobriu o seu interesse pela arte?
Cecília: Sobre o meu interesse pela arte, desde pequena eu gostei muito de desenhar, muito de pintar, adorava assistir desenhos animados e com isso eu fui começando a criar, a desenhar, tentar fazer igual aos personagens. Teve um tempo no qual eu parei. Eu parei, foquei só nos estudos, mas depois voltou a chama. Voltou essa chama pela vontade de desenhar, inventar. Principalmente quando eu tive uma recaída da depressão na pandemia do Covid-19. Eu tentei contra minha vida e, como meio de recuperar, um meio de ficar bem de novo, meus pais também começaram a incentivar eu a desenhar, comprar um lápis, comprar algumas tintas, então foi voltando essa vontade. Hoje em dia eu já me profissionalizei, eu crio realmente para venda, para exposição, para projetos.
Lis: O que significa a arte pra você?
Cecília: Pra mim, a arte traz muito essa questão de cura. Não arteterapia em si, mas cura de você conseguir se compreender, trazer aqueles sentimentos. Para mim, a arte vem muito desse lugar de cura, desse lugar de compreender o que a gente está passando e ver formas de contornar, formas de compreender esses sentimentos, essas situações na qual todo mundo passa na vida, sabe? Então, entender realmente o que você tá passando. E é uma forma de melhorar as coisas. Então, a arte, para mim, trouxe muito esse significado de superação e de acolhimento.
Lis: E ligando com isso, eu queria que você falasse um pouquinho sobre a exposição na Galeria do Sesc. Qual é o título da exposição e o que ela tem representado para você?
Cecília: O título da minha exposição se chama "As Facetas que Habitam em Mim". Eu queria muito trazer essa frase para a exposição porque a gente nunca é o mesmo sempre. A gente sempre tem várias facetas, né? Eu agora não sou a mesma da época da pandemia, em 2020. Então eu queria trazer essas facetas, eu queria trazer essas versões de mim mesma e os elementos que é incorporado em cada época ou em cada momento que eu senti, que eu vivi.
Lis: Nossa, incrível. Você tem alguma obra favorita e que seja especial pra você e por quê?
Cecília: Eu gosto muito de todas as minhas obras. Foram momentos muito bons de estar desenhando todo esse processo criativo, mas umas que eu gosto bastante e que eu tenho um carinho muito especial é a obra "A Carta da Morte". É uma obra, assim, que foi... relembrou muitas memórias. Para mim a carta da morte representa isso, da morte das coisas que não são mais para gente, sobre começar, se reinventar, fim de ciclos, renovações, então para mim foi um momento muito especial com esse desenho.
Lis: Que interessante! E há outra obra que tenha um significado especial?
Cecília: Também gosto bastante da obra "Desassossego", que é uma escultura de duas mãos. Essa eu fiz em parceria com o meu parceiro, que é o Leonardo da Silva Gomes. A gente fez as mãos com arames, com papel alumínio, a gente embalou com fita, depois fizemos várias camadas de papel machê, fizemos as veias, os vincos da mão para ficar bem realista e depois passamos o gesso em si. Lixamos, pintamos, eu cortei um papel, queimei ele, então ficou uma coisa muito bonita e com um significado muito forte tanto para mim quanto para ele e para as pessoas que vêm aqui na galeria.
E por fim, uma que chama bastante atenção, e eu também tenho um carinho muito especial, é a obra "Coração", que ela está no meio da galeria, no meio de todas as outras obras, enquanto o resto é tudo obscuro, muito preto e branco, ela é a única com destaque, com cor, com vivacidade, com plantas junto. Ela representa literalmente o coração da artista, o que está vivo, o que, porque por mais que esteja tudo nebuloso, tudo meio obscuro, ainda tem alguma chama, alguma esperança dentro de nós.
Lis: E o que você espera que o público sinta ou pense ao ver suas obras?
Cecília: O que eu tenho como objetivo para o meu público é conseguir transparecer esses sentimentos, essas emoções que eu vivi. Algumas obras podem trazer um certo desconforto para algumas pessoas, na qual ainda passam por essas mesmas dores. Mas eu percebo que o meu objetivo foi alcançado quando chegam várias pessoas aqui na galeria e elas se sentem à vontade para ser vulneráveis, para falar sobre a sobrevivência delas, falar sobre as dores, sobre os processos da depressão delas também. Então, de certa forma, eu me sinto muito realizada como artista com essa exposição de conseguir ter essa conexão com as pessoas, com o público, e o público comigo também.
Lis: Como você vê a importância de um espaço como a Galeria Sesc para artistas locais?
Cecília: Eu acho de extrema importância esse espaço cultural para a ocupação de exposições, porque Gurupi precisa muito disso. Nós já temos o espaço cultural do Mauro Cunha, a gente tem a Casa de Cultura da UNIRG, temos o IFTO com o curso de teatro, então ter mais locais ainda faz com que a cultura local mais seja apreciada, e que mais pessoas tenham acesso a essa cultura, e dessa forma a comunidade gurupiense consegue ter acesso a diversos artistas locais, então é algo bem maravilhoso.
Lis: Quais os desafios que existem para artistas locais?
Cecília: Alguns desafios que eu vejo é que, no início mesmo da nossa própria carreira, tem muito essa questão de a gente não ser reconhecido e também não ter tanta valorização. Então, como artista iniciante, é muito bom a gente poder ter outros profissionais da mesma área que nos apoiem, que a gente consiga ter essas conexões, consiga ter essa troca de informações, como também ter o apoio de, além dos profissionais, de amigos, de locais, sabe? É muito bom a gente poder pertencer a um lugar.
Lis: O que você diria para os jovens artistas locais que estão começando agora?
Cecília: O que eu diria, de conselho mesmo, seria tente! Tente criar sua arte, tente divulgá-la o máximo possível. Por mais que no início a gente se sinta mesmo inseguro de, "será que vão gostar da minha arte?" Mas é importante que a gente consiga divulgar, porque a nossa expressão artística é o que a gente é. É poder estar compartilhando um pedaço nosso com as outras pessoas. Então, o que eu diria é tente, participe de editais, participe de convenções, o que for.
Lis: O que significa essa exposição para você em uma palavra?
Cecília: Melancolia.
Lis: Um artista?
Cecília: Eu diria que Van Gogh.
Lis: Uma obra de arte?
Cecília: Eu gosto muito da minha, que é a "Carta da Morte".
Lis: E para finalizar, uma indicação de livro?
Cecília: Metamorfose, do Franz Kafka.
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